Quando fui convidado para dar a Aula Magna do início do
primeiro semestre letivo de 2012 na Escola de Pastores, em Niterói, logo me
veio à cabeça o tema da simplicidade do Evangelho. Ultimamente me incomoda a
quantidade de adereços teológicos pendurados no cristianismo de hoje. Não que
eles sejam novidade ou algo recente. Ao contrário, são tão antigos quanto a
igreja. O que mudou foi a minha falta de paciência, de tolerância e de
disposição para fingir que estou de acordo com a carga de complexidade posta
sobre a vida cristã por conta dos vários sistemas teológicos vigentes.
Minha atual convicção é a de que Deus é simples e nós o
complicamos. Quer dizer, Deus seria um ser mais complexo do que o ser humano
pelo fato de ser o criador infinito, porém, parece que ele decide simplificar
as coisas para poder caber em nossas cabeças. Não satisfeitos, no entanto,
escolhemos complicar para, talvez, podermos controlar.
Essa árdua tarefa de falar de Deus, sobre Deus, acerca de
Deus, que chamamos de Teologia, é um esforço meramente humano. Deus não faz
Teologia! Arrisco a dizer, que muitas vezes ele nem gosta dela. Acho que é algo
semelhante à situação em que alguém fala da gente e aquilo não corresponde à
realidade. Assim, esse discurso, essa fala, desconexa, chega a irritar.
A tradição afirma que Deus, simplesmente, se mostra (o que
chamamos de Revelação). Nós, quando olhamos para ele, então, falamos sobre o
que vemos, com os nossos olhos, lentes e perspectivas limitadas. Se pudéssemos
chamar de métodos, diríamos que tanto a Revelação quanto a Teologia tomam caminhos
distintos. No entanto, a própria Revelação que por iniciativa divina passa a depender
das bases comunicativas humanas para poder ser entendida, acaba se tornando
complexa. Isso significa dizer que a coisa se complica por nossa causa, mesmo sendo
Deus, em princípio, simples em sua ação de se mostrar a nós.
Quando a gente resolve estudar Teologia descobre como o
assunto é complexo. Para falar de Deus nós dividimos, subdividimos, setorizamos
e categorizamos a sua pessoa ou a sua revelação. Não que seja simples entender
Deus, mas a gente complica mais do que deve. Se o que estou dizendo até aqui
parece confuso (complexo), tentarei ser mais claro sobre o que estou tentando
argumentar.
Vamos considerar a revelação que Deus fez de si mesmo por
meio da Bíblia. A maneira que ele escolheu para se mostrar ali foi,
fundamentalmente, com o uso de narrativas, histórias de experiências individuais
e coletivas, da vivência daqueles que se relacionavam com ele. A maior parte
das Escrituras não está sistematizada, sequer organizada em temas. O que vemos
são histórias, sagas, novelas, poesias, sabedorias e profecias; tudo dentro do
contexto de vida das pessoas ou do povo; tudo inserido em épocas e culturas
específicas. Da leitura e observação destas experiências é que tentamos
enxergar e entender Deus.
É claro que não podemos deixar de notar que em meio às
experiências narradas também há algumas tentativas de sistematização das ideias
sobre Deus. A primeira delas, talvez, seja a que foi feita pelos códigos
legais. As tradições mosaica, deuteronomista e sacerdotal, por exemplo,
procuraram encaixar a fé em Deus em um sistema legal que foi cada vez mais, ao
longo do tempo, tomado como final. Nesse sentido, vejo as narrativas como
simples e a sistematização dos códigos legais como complexa.
Algo semelhante se dá no Novo Testamento. Nos Evangelhos
vemos as narrativas sobre a vida e mensagem de Jesus, ou até mesmo no livro de
Atos que relata as experiências da igreja primitiva. Apenas com o apóstolo
Paulo é que a gente encontra uma sistematização da mensagem e pessoa de Cristo.
O esforço em organizar as ideias ou sistematizá-las pode até
ter uma boa intenção como, por exemplo, a transmissão pedagógica de uma
mensagem ou tema. O problema, no entanto, surge quando esse sistema toma o
lugar dos princípios originais ou da própria pessoa de Deus. Muitas vezes, por
trás de sistemas existem intenções ideológicas ou egoístas de controle da fé
das pessoas por meio da religião. Isso pode ser observado até mesmo nas
experiências narradas na Bíblia. Por outro lado, Jesus se apresenta como uma
pessoa simples. Ele nasce simples, em uma manjedoura, e morre simples, na cruz
entre ladrões. Ele não ostenta uma coroa ou anel no dedo; não se veste com
túnica, toga ou “terno”; não fala em uma linguagem diferente do povo. Jesus é
tão simples que interage com crianças e anda com os párias da sociedade (cegos,
cochos, leprosos, publicanos, prostitutas, etc.). Ele não tem uma casa, gabinete
ou escritório, mas anda pelas ruas e vilarejos.
Sua Teologia, ou melhor dizendo, sua revelação de si mesmo e
do Pai, descomplica as coisas. Foi assim com a mulher samaritana, com a questão
do sábado, do jejum, do divórcio, do adultério, do perdão, do dízimo e tantos
outros assuntos nos quais foi “testado” pelos teólogos da época. Percebo em
Jesus a insistência em simplificar a vida e a percepção sobre Deus frente aos
muitos processos e informações adicionadas à fé. A maior das simplificações é
que ele faz com relação à Lei, sintetizando-a no princípio do amor.
Devo admitir que nem sempre é fácil viver a simplicidade. Parece
que, na realidade, vivemos na tensão paradoxal entre o simples e o complexo.
Confundimos adoração com culto, relação com Deus com religião e igreja-comunhão
com igreja-instituição. Temos dificuldade, ainda hoje, em entendermos a
simplicidade da Graça em contraponto a toda a estrutura religiosa que promove a
salvação que está baseada em atos, fórmulas, intermediações e comportamentos
condicionantes.
Estou convicto de que o papel da Teologia, portanto, não é
dificultar ou tornar complexa a pessoa de Deus e a reconciliação com ele. Ao
contrário, devemos estudar e nos aprofundar nas línguas originais, história,
arqueologia e até mesmo nas sistematizações da Bíblia para simplificar as
coisas, para tornar Deus mais próximo e mais claro a todos. É com o estudo que
podemos superar os muitos paradoxos a que estamos submetidos, entre eles, a
dinâmica de se viver entre o que é simples e as nossas complicações.